OBJETO DO CONHECIMENTO: Por que estudar Filosofia?
HABILIDADES: * Identificar movimentos associados ao processo de conhecimento, compreendendo etapas da reflexão filosófica para desenvolver o pensamento autônomo e questionador.
Vamos dar continuidade à aula anterior, com a historia do personagem José Augusto.
José Augusto havia se matriculado no Ensino para Jovens e Adultos, pois já não era um menino. Tinha 32 anos. Na escola, estava cansado, trabalhara o dia todo e, como funcionário de uma grande empresa, dessas que chegaram ao Brasil vindas de outro país, estava mais do que habituado ao sistema do “tempo é dinheiro” e por isso pensava que não tinha tempo a perder com simples debates de opinião. Não tardou para que se irritasse um pouco com a discussão promovida pela professora Lia, que buscava criar um espaço que valorizasse o diálogo e o debate.
Apoiado por pelo menos uma dúzia de colegas em situação bastante parecida, José Augusto foi direto ao ponto:
– Professora, a senhora me perdoe a sinceridade, mas para que isso tudo aí? Para que esse negócio todo de Filosofia? A professora, que já estava habituada a essa pergunta, respondeu fazendo outra:
– Para que serve o amor? Isso deixou José um tanto constrangido e arrancou alguns risos maliciosos de outros estudantes. Mas ela insistiu:
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– É sério, pense nisso. Para que serve o amor? Houve um rápido debate. Algumas pessoas, céticas, (Conduta da pessoa que se apoia no ceticismo, corrente filosófica segundo a qual não é possível ao homem alcançar a verdade e por isso busca evidências concretas ou provas práticas para ser convencido de algo) disseram que a finalidade do amor é a reprodução da espécie. Outras alegaram que ele serve para encantar a vida. E houve quem, claramente amargurado, afirmou que o amor não serve para nada, “só para desilusão”.
A professora retomou a atenção geral e dirigiu outra questão para a sala:
– Para que serve o conhecimento?
Outras hipóteses surgiram. Alguns disseram que serve para o trabalho, para o aprimoramento ou desenvolvimento humano, para o acúmulo de poder e, é claro, houve os que disseram, sem muita empolgação, que o conhecimento também não serve para nada.
A professora Lia, então, comentou para José Augusto e seus colegas que todas as respostas podem estar certas e que aceitar uma resposta como a mais provável ou correta não quer dizer que as outras sejam absurdas ou que não devam ser levadas em conta. Desde que haja uma argumentação, todas as respostas refletem um ponto de vista sobre um questionamento. No final, a lição foi que não há uma resposta certa; certo é o caminho da reflexão: quanto mais você pensar nessas questões e nessas respostas, mais aprenderá sobre o amor e sobre o conhecimento. Por isso, é importante debater, dialogar e refletir. O conhecimento é infinito, logo, tudo o que se pode fazer é mergulhar nele, abrindo novas perspectivas para o pensamento.
Tudo isso parecia muito bonito, mas José Augusto foi embora contrariado naquela noite. O ritmo do seu trabalho e a forma como estava habituado a lidar com os problemas do dia a dia não lhe davam tempo para refletir tanto sobre as coisas.
Isso soava para ele como um privilégio que só os mais afortunados tinham. Em outra aula, José Augusto reclamou desse incômodo com a professora, que lhe respondeu:
– É comum as pessoas acreditarem que a Filosofia é “coisa de gente privilegiada”, ou seja, de gente mais “estudada” ou com condições financeiras melhores que a média da população. Essa ideia é, em parte, verdadeira, pois, ao longo da História, a Filosofia tem sido realmente um privilégio dos mais ricos ou das pessoas com maior escolaridade, que, por esse motivo, têm mais condições de se dedicar a essa área de conhecimento. Mas é também um preconceito, pois não precisa necessariamente ser assim. E é fundamental denunciar e combater esse preconceito.
José Augusto gostou da resposta, entendendo não só que sua ação poderia mudar, mas também que, repensando sua atitude, ele ajudaria a combater um preconceito. Ele compreendeu que a ideia de não haver uma resposta correta o incomodava profundamente, enchendo-o de angústia e insegurança, porque, sem nunca ter percebido, José havia se viciado no conforto das certezas.
O tempo passou e José adquiriu o hábito de perguntar às pessoas para que serviam o amor e o conhecimento. Normalmente, recebia outras perguntas como resposta: Amor de quem? Que conhecimento? Como se toda pergunta tivesse um “depende” como resposta. Ele percebeu que, cada vez que retomava o assunto, dialogando com alguém
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ou refletindo sozinho, ele entendia um pouco mais sobre esses temas. O seu amor. O seu conhecimento.
Lendo um livro no ano seguinte, José Augusto descobriu que o significado da palavra filosofia era “amor ao conhecimento” e só então conseguiu valorizar aquela aula da professora Lia. Foi assim que aprendeu a mais valiosa lição: não é preciso ter certezas para pensar.
Ele entendeu o objetivo da professora, bem como a utilidade da Filosofia, percebendo que se tratava da mesma coisa: estimular na consciência um estado de abertura para a reflexão crítica, um bem-querer pela prática de repensar argumentos, evitar as certezas precipitadas e ponderar sobre o próprio pensamento.
Esse estado reflexivo evita e desconstrói preconceitos, além de manter a mente afiada para novos conhecimentos e novas formas de entender a realidade e as muitas verdades com as quais é possível se deparar ao travar contato com o mundo. E o mais interessante: essa é uma atitude que pode ser adotada, desenvolvida, aprendida por qualquer pessoa.
Para concluir, é importante não achar que, para a Filosofia, a verdade é relativa apenas porque ela aceita muitas respostas como certas. Isso é incorreto. Primeiro, porque não há uma única filosofia, ou uma única concepção da Filosofia e do que é a prática filosófica; segundo, porque muitas filosofias, ou muitas correntes filosóficas, discordam de uma posição relativista, segundo a qual a verdade universal é inatingível.
É o caso do pensamento de Sócrates e de Platão, por exemplo, autores que você vai estudar mais pra frente. Não se contentar com as certezas não significa necessariamente duvidar da existência delas, deixar de buscá-las e adotar o relativismo. O relativismo pode ser compreendido como uma concepção da Filosofia, mas não é a única. É possível afirmar, então, que a definição de Filosofia já é, em si, uma questão filosófica.
Trabalhar com uma definição particular de filosofia não esgota o que é a Filosofia.
ATIVIDADE
1-A partir da leitura do texto As primeiras aulas de Filosofia de José Augusto, responda: Você considera que a Filosofia é uma atividade exclusiva dos mais afortunados ou ela pode ser praticada por qualquer pessoa?
2-Qual é o significado etimológico da palavra filosofia? A
Corrente filosófica
Conjunto de ideias e conceitos adotado por um certo número de filósofo se que caracteriza a sua filosofia, a sua doutrina, o seu modo de pensar e de agir.
Relativista
Aquele que assume a perspectiva do relativismo, cuja tese central defende que a verdade não é ou não pode ser conhecida de forma absoluta.
AVALIAÇÃO: Devolutiva (retorno das atividades) através do whattsap / Blog.